sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Elísio Macamo, o sociólogo dos perigosos “Talvez”


Colocar-se como a sua principal tarefa aventuras em constantes questionamentos, quem se dará o direito de um tal atrevimento? Viver, ou, melhor, conviver pressupõe apenas tomada de posições constantes baseadas em breves e imediatas reflexões. E estas reflexões breves são apenas activadas pelos actores apenas por conveniência de modo a garantir as suas posições como partes de um complexo conjunto de complexas relações sociais. Relações essas que quase que mais nada são para o sociólogo para além do seu objecto de interrogações. Entendidas assim as coisas, percebemos que o sociólogo passa a viver num duplo constrangimento. De um lado ele deve viver com os outros, fazer parte das relações e procurar ser, como qualquer um, competente socialmente. Mas por outro lado ele precisa, pelas obrigações do ofício, interrogar e questionar estas vivências, estas relações, este estar-com-os-outros no dia-a-dia. Mas apesar de tudo, acredito, porque não vejo como ser de outra maneira, a vida do sociólogo é, na maior parte dela, uma vida de interrogações constantes. Sim. Porque a sociologia é uma disciplina de interrogações. É uma disciplina do “pode ser”, do “se calhar”, é uma disciplina do “Talvez”. Mas, como escrevi num texto anterior, e que se pode ser lido aqui neste blogue, num contexto em que imperam o “eu sei” ou o “está claro” ser “funcionário” do “Talvez” passa a ser, juro pelas almas dos meus antepassados, um acto de perigo. O “Talvez” é perigoso. Daí que os sociólogos passam a ser sociólogos dos perigosos “Talvez”. Aliás, não só passam a ser como também precisam de ser. Precisam de ser amadores do perigo. Precisam de ser funcionários de uma tarefa perigosa (sociologia). Precisam, sem medo, sem receio e com coragem, caminhar em direção ao descobrimento do que está escondido, do que está soterrado por nada mais para além da superstição, das conversas dos corredores, dos planos estratégicos, das agendas de desenvolvimento, dos discursos políticos, das charlatanice e tudo. Precisam de ser, enfim, e a par com Carlos Serra, Elísio Macamo. Sociólogo que é, Elísio Macamo é um sociólogo moçambicano, preocupado com o seu país, com a sua sociedade e com ele mesmo (aqui incluindo a sua família). Que situação difícil! Cansado com verdades simples que levam a problemas errados, quer dizer, problemas não ou mal formulados, e destes para várias soluções, das mais nefastas para as mais embriagadas, Elísio Macamo mostra-se como um incansável combatente contra todo este emaranhado de palhaçadas que afectam o nosso quotidiano e, por isso mesmo, enfermam cada vez mais os organismos vivos da nossa sociedade e nos oferecem, de uma triste bandeja, um país com a cara da sua sociedade… “cheio de soluções”. Com a cara da sua sociedade digo pela sociologia. Cá para mim, diria com a cara de uma faceta desta sociedade que, com os recursos que conseguem ter à sua disposição (como telemóveis ou computadores, canetas e papel), moldam a sociedade de acordo com o que neles é tudo, incluindo tristeza e estupidez. Mas se o nosso sociólogo é combatente de tudo aquilo então ele é, por isso mesmo, um combatente pela mentalidade sociológica. Daí que, com a sua classe inteligente que desfila nos seus próprios escritos, Elísio Macamo atreve-se ao perigo. Atrever-se ao perigo significa caminhar sem receio de o ridículo o considerar como ridículo. Mas, e isso todo sociólogo sabe, quando o ridículo, em contextos como os nossos, considera o outro como ridículo ridiculariza-se mais ainda. Porque o ridículo entre nós procura ridicularizar somente para proteger a sua própria ridícula existência e, protegendo-a, protegem-se a eles mesmos de tudo que ameaça tirá-los dos esconderijos, das suas zonas de conforto, fugindo. Fugindo do perigo, e a passos de antílopes. Fugindo do que é perigoso. Fugindo do perigoso “Talvez”. Mas, e eu já disse, a sociologia é, ela mesma, uma ciência do “Talvez”. E o “Talvez”, os sociólogos sabem, e por vezes até vivem, é perigoso. E o sociólogo é, por e para além disso, sociólogo destes perigosos “Talvez”. Ora, se o sociólogo é o sociólogo dos perigosos “alvez” e Elísio Macamo é sociólogo, então...

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