Por qualquer graça, desde 1990 que
cantamos, entre a angústia e a perplexidade, sobre a paz em Moçambique. Mas o
tal canto sobre e pela Paz é, na verdade, entoado com base em deploráveis
pedidos de uma “Paz qualquer”. Uma “Paz de qualquer forma”, desde que haja, ou,
pelo menos, se fale que há paz. Mesmo que ela, a tal paz, tenha uma forma
somente aparente, porém adquirida por intermédio de assinaturas de Acordos
entre duas partes envolvidas no conflito e nada mais do que isso. E damos
graças a Deus que dois Sumo pontífices já tenham voado de Vaticano para este
nosso país tão carente de Paz efetiva e duradoura como se a paz, mesmo que seja
consequência de um conflito político, dependesse dessa graça. Guerra e Paz são
partes da mesma moeda do Diabo! Por isso o papa João Paulo II chegou 4 anos
antes das eleições, portanto em junho de 1980. E o Papa Francisco, e já sabemos
que é diferente do primeiro, pisa o solo pátrio no mês de setembro e dá férias
as campanhas eleitorais. Curiosamente, parece que só agora, com a Paz de Nyusi,
porque já tivemos uma de Chissano e uma outra de Guebuza, é que falamos, no
meio de uma realidade que se mostra contrária, de uma “Paz definitiva”. Dizem que
a visita do Papa veio reforçar e atiçar uma Paz efetiva. Mas onde
repousa essa tal efetividade ninguém sabe ao certo apesar das pregações do
Santo. Então, celebramos algo sem fundamento! Celebramos o vazio de uma palavra
tanto semanticamente quanto no sentido prático na vida prática do dia-a-dia das
pessoas de carne e osso. Cremos,
perplexos, que ela é efetiva e prontos! Sustentamos a nossa crença pela visão
míope, mas que se fez regular em cada conflito político, de abraços de dois
senhores que se encontram em posições de um tecido político que vai de
conflitos políticos à paz política, posições estas que nos acompanham desde
1992. Quantos mais abraços iremos de ver! E se os vermos, qual o preço que
teremos que pagar? E se não os vermos, o que sustentaria esse eventual
desabraço? E o que mais nos diriam os tais abraços para além do Acordo Geral de Paz” (1992), “Acordo
de Cessação das hostilidades Políticos Militares” (2014) ou “Acordo de Paz
[Definitiva] e Reconciliação” (2019)? Curiosamente ou não, para o
malgrado do tal Acordo de uma Paz comiciada como definitiva por Ossufo Momade e
Filipe Nyusi, em Cabo delgado ainda se assiste corpos queimados e casas ainda
incendiadas revelando uma situação horrível que o anúncio de uma Paz efetiva
revelaria, se é que amamos, como diria um santo padre, biblicamente o próximo,
apenas um insulto às vítimas diretas e indiretas desta horrenda experiência. E
ainda há, curiosamente, uma Junta Militar. Uma Junta negada pela própria Renamo
e delegada à esta pelo Governo afirmando-se o desejo daquela de se juntar às
forças armadas para a combater. Mas conhecemos nós o vírus causador da doença? Não seria a prevenção contra as
doenças a melhor maneira de erradicar estas últimas? É que dá no que pensar o sentimento
de que a Junta nada mais é hoje do que sempre foi a própria Renamo nos seus próprios
passos e compassos da sua própria história. A constante oferta pública de uma
certeza de que a violência compensaria quando nos encontramos diante de um
Estado institucionalmente fraco pare e parirá cada vez mais violência seja com
a Renamo de ontem seja com uma “Junta Militar” qualquer de hoje. Entretanto,
olhando sociologicamente, parece ser difícil uma possibilidade desta distinção
entre uma Renamo de ontem e uma “Junta Militar” de hoje. Aliás, deve ser nesse
sentido que a Junta precisa de ser mencionada com base no seu nome completo,
auto atribuído, nomeadamente “Junta Militar da Renamo”. Assim, se de um lado o
presidente da República assinou com Ossufo Momade, o atual presidente do
Partido Renamo desconsiderado pela Junta, um Acordo de Paz, no seio da própria
Renamo, por outro lado, principalmente com a chamada “ala militar”, proclama-se
um Desacordo de Paz. Quem nos garante que a atual Junta Militar da Renamo não
seja apenas uma nova, e elegante, forma de chamar, como foi moda nos meios de
comunicação de massa, “braço armado da Renamo” ou “Forças residuais da Renamo”!
Não estaríamos nós a falar de mesmas coisas com termos e (em) contextos
diferentes? Então, se assim for, acho que se pode pensar que a situação não
mudou muito porque a lógica, o fator estruturante que potencializa a situação,
também não mudou. Por isso de novo ouvimos, e alguns vivem, ataques seletivos a
viaturas nos troços de maior concentração dos “guerrilheiros da Renamo”! De
novo, parece haver confrontos entre esses, vou chamar assim para dar forças ao
nosso estado, “pacatos guerrilheiros” e as Forças Armadas da Defesa nacional.
Por isso de novo há boatos, de novo há fake
news e há conversas dos corredores. De novo, enfim, há mais do mesmo na
cena e na arena política do país. Nesse sentido, parece ser necessário revelar,
aliás, recordar esse tal fator estruturante que nos coloca em romarias em hasta
pública pedindo, deploravelmente, a Paz. Na verdade, e isso eu acredito, esse
tal fator é a própria Paz entendida aqui por meio de um Acordo de Paz. Quanto
mais pedimos uma Paz efetiva mais conseguimos, na verdade, uma Paz defectiva.
Isto é, uma Paz defeituosa, forçada a existir apenas em discursos políticos e
em cenas cínicas e em cenários encenados dos políticos. Assim, as pessoas comuns
são colocadas em posições de bestas. E as instituições estatais, como o
parlamento, são elevadas a utensílios políticos e, por fim, as coisas sérias
que precisamos, por necessidade, de discutir são colocadas em quartos e quintos
planos. O defeito dessa Paz se encontra e se encontrava exatamente no processo
que levaria a sua conquista. Os diálogos ocultos, feitos quase às escondidas e,
como sutil acréscimo, com base em troca de mensagens, é um dos grandes agentes
da desgraça. Mas não só e nem principalmente. A falta de uma discussão séria e
abrangente, estendida a todas forças vivas da nossa sociedade, sobre o tipo de
País e de sociedade que queremos (aqui incluindo o tipo de paz) faz com que os
esforços para a conquista da Paz (seja ela efetiva ou não) seja, na verdade, um
empreendimento falso facilitado, para usar uma bizarra expressão, pelas
conversas para o boi dormir. Bom descanso, manadas! Afinal, os esforços que
fazemos rumo a uma Paz efetiva, os caminhos que galgamos desde 1990 até ao mês
passado, mesmo com a visita do Papa efetivador da Paz, levou-nos e nos leva
apenas a uma “Paz defectiva”.
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