quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Os perigos de uma Paz (d) efetiva

Por qualquer graça, desde 1990 que cantamos, entre a angústia e a perplexidade, sobre a paz em Moçambique. Mas o tal canto sobre e pela Paz é, na verdade, entoado com base em deploráveis pedidos de uma “Paz qualquer”. Uma “Paz de qualquer forma”, desde que haja, ou, pelo menos, se fale que há paz. Mesmo que ela, a tal paz, tenha uma forma somente aparente, porém adquirida por intermédio de assinaturas de Acordos entre duas partes envolvidas no conflito e nada mais do que isso. E damos graças a Deus que dois Sumo pontífices já tenham voado de Vaticano para este nosso país tão carente de Paz efetiva e duradoura como se a paz, mesmo que seja consequência de um conflito político, dependesse dessa graça. Guerra e Paz são partes da mesma moeda do Diabo! Por isso o papa João Paulo II chegou 4 anos antes das eleições, portanto em junho de 1980. E o Papa Francisco, e já sabemos que é diferente do primeiro, pisa o solo pátrio no mês de setembro e dá férias as campanhas eleitorais. Curiosamente, parece que só agora, com a Paz de Nyusi, porque já tivemos uma de Chissano e uma outra de Guebuza, é que falamos, no meio de uma realidade que se mostra contrária, de uma “Paz definitiva”.  Dizem que  a visita do Papa veio reforçar e atiçar uma Paz efetiva. Mas onde repousa essa tal efetividade ninguém sabe ao certo apesar das pregações do Santo. Então, celebramos algo sem fundamento! Celebramos o vazio de uma palavra tanto semanticamente quanto no sentido prático na vida prática do dia-a-dia das pessoas de carne e osso.  Cremos, perplexos, que ela é efetiva e prontos! Sustentamos a nossa crença pela visão míope, mas que se fez regular em cada conflito político, de abraços de dois senhores que se encontram em posições de um tecido político que vai de conflitos políticos à paz política, posições estas que nos acompanham desde 1992. Quantos mais abraços iremos de ver! E se os vermos, qual o preço que teremos que pagar? E se não os vermos, o que sustentaria esse eventual desabraço? E o que mais nos diriam os tais abraços para além do Acordo Geral de Paz” (1992), “Acordo de Cessação das hostilidades Políticos Militares” (2014) ou “Acordo de Paz [Definitiva] e Reconciliação” (2019)? Curiosamente ou não, para o malgrado do tal Acordo de uma Paz comiciada como definitiva por Ossufo Momade e Filipe Nyusi, em Cabo delgado ainda se assiste corpos queimados e casas ainda incendiadas revelando uma situação horrível que o anúncio de uma Paz efetiva revelaria, se é que amamos, como diria um santo padre, biblicamente o próximo, apenas um insulto às vítimas diretas e indiretas desta horrenda experiência. E ainda há, curiosamente, uma Junta Militar. Uma Junta negada pela própria Renamo e delegada à esta pelo Governo afirmando-se o desejo daquela de se juntar às forças armadas para a combater. Mas conhecemos nós o vírus causador da doença? Não seria a prevenção contra as doenças a melhor maneira de erradicar estas últimas? É que dá no que pensar o sentimento de que a Junta nada mais é hoje do que sempre foi a própria Renamo nos seus próprios passos e compassos da sua própria história. A constante oferta pública de uma certeza de que a violência compensaria quando nos encontramos diante de um Estado institucionalmente fraco pare e parirá cada vez mais violência seja com a Renamo de ontem seja com uma “Junta Militar” qualquer de hoje. Entretanto, olhando sociologicamente, parece ser difícil uma possibilidade desta distinção entre uma Renamo de ontem e uma “Junta Militar” de hoje. Aliás, deve ser nesse sentido que a Junta precisa de ser mencionada com base no seu nome completo, auto atribuído, nomeadamente “Junta Militar da Renamo”. Assim, se de um lado o presidente da República assinou com Ossufo Momade, o atual presidente do Partido Renamo desconsiderado pela Junta, um Acordo de Paz, no seio da própria Renamo, por outro lado, principalmente com a chamada “ala militar”, proclama-se um Desacordo de Paz. Quem nos garante que a atual Junta Militar da Renamo não seja apenas uma nova, e elegante, forma de chamar, como foi moda nos meios de comunicação de massa, “braço armado da Renamo” ou “Forças residuais da Renamo”! Não estaríamos nós a falar de mesmas coisas com termos e (em) contextos diferentes? Então, se assim for, acho que se pode pensar que a situação não mudou muito porque a lógica, o fator estruturante que potencializa a situação, também não mudou. Por isso de novo ouvimos, e alguns vivem, ataques seletivos a viaturas nos troços de maior concentração dos “guerrilheiros da Renamo”! De novo, parece haver confrontos entre esses, vou chamar assim para dar forças ao nosso estado, “pacatos guerrilheiros” e as Forças Armadas da Defesa nacional. Por isso de novo há boatos, de novo há fake news e há conversas dos corredores. De novo, enfim, há mais do mesmo na cena e na arena política do país. Nesse sentido, parece ser necessário revelar, aliás, recordar esse tal fator estruturante que nos coloca em romarias em hasta pública pedindo, deploravelmente, a Paz. Na verdade, e isso eu acredito, esse tal fator é a própria Paz entendida aqui por meio de um Acordo de Paz. Quanto mais pedimos uma Paz efetiva mais conseguimos, na verdade, uma Paz defectiva. Isto é, uma Paz defeituosa, forçada a existir apenas em discursos políticos e em cenas cínicas e em cenários encenados dos políticos. Assim, as pessoas comuns são colocadas em posições de bestas. E as instituições estatais, como o parlamento, são elevadas a utensílios políticos e, por fim, as coisas sérias que precisamos, por necessidade, de discutir são colocadas em quartos e quintos planos. O defeito dessa Paz se encontra e se encontrava exatamente no processo que levaria a sua conquista. Os diálogos ocultos, feitos quase às escondidas e, como sutil acréscimo, com base em troca de mensagens, é um dos grandes agentes da desgraça. Mas não só e nem principalmente. A falta de uma discussão séria e abrangente, estendida a todas forças vivas da nossa sociedade, sobre o tipo de País e de sociedade que queremos (aqui incluindo o tipo de paz) faz com que os esforços para a conquista da Paz (seja ela efetiva ou não) seja, na verdade, um empreendimento falso facilitado, para usar uma bizarra expressão, pelas conversas para o boi dormir. Bom descanso, manadas! Afinal, os esforços que fazemos rumo a uma Paz efetiva, os caminhos que galgamos desde 1990 até ao mês passado, mesmo com a visita do Papa efetivador da Paz, levou-nos e nos leva apenas a uma “Paz defectiva”.

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