domingo, 18 de novembro de 2018

Por baixo da ponte

(Hoyo-hoyo ka Maputo!)

Moyoni o Maputo”, a minha língua materna (Echuabo), “Seja bem-vindo a Maputo”, a minha língua oficial (Português) ou, então, “Welcome to Maputo”, a uma língua que se fez internacional (Inglês), é a tradução literal para Changana do subtítulo deste texto. Um texto que vem a propósito da celebração do dia da cidade de Maputo, nossa capital, que se dá em cada dia 10 de Novembro de todos os anos. A celebração deste ano foi especial pois, para além de espetáculos em comemoração aos 131 anos da cidade inaugurou-se, festivamente, uma empreitada turisticamente atraente e, para além disso, talvez necessária: a ponte Maputo-Katembe. Isso demonstra, também, que um investimento numa cidade capital é muito importante pois para quem é estrangeiro a cidade capital parece ser o rosto de um país inteiro. Mas a cidade de Maputo não é somente uma cidade que se fez capital como também tornou-se num dos pontos de maior potencialidade turística do nosso país. Ela recebe todo o tipo de gente, de diferentes nações, diferentes religiões, raças e profissões. Ela recebe músicos, empresários, políticos, estudantes ou profetas. Ela é uma cidade acolhedora. Aos turistas que só agora aterraram em Mavalane, aos turistas que só agora colocam os pés e as rodas 4X4 nas terras de Maputo, sejam todos bem-vindos a esta acácia-cidade. Quero informar-vos que já temos uma ponte suspensa, arquitetónica, das mais longas da região. É uma notícia boa. Mas eu também quero vos falar do que está por baixo dela. Quero vos falar da vida superestrutural que se materializa por baixo desta grande e atraente infraestrutura. Quero vos falar, e apresentar, como o vosso turístico guia, a cidade de Maputo, nossa capital. Uma cidade vibrante e atraente, cosmopolita e acolhedora. Uma cidade dos “Chapa-100” a grande velocidade, de volumes altos em aparelhagens potentes em cada barraca, em cada uma das velozes, barrulhentas e “tchunadas” viaturas de uma fasquia da juventude com pés abonados. Uma cidade invejável para os “provincianos” mas desafiante para todos. A cidade do Show-off, de um movimento comercial que começa de um simples amendoim torrado até aos grandes supermercados e de um jovem no seu reluzente Range Rover até aos pequenos rebentos nas correrias desenfreadas atrás dos autocarros apenhados de gente num constante pedido de atenção: “Bolacha, Fizzé, Bolacha, Fizzé”. Uma cidade com o rosto da desigualdade. Bom, com o rosto da desigualdade mas, por isso e talvez, com as costas voltadas aos mais variados bodes expiatórios: Governo, Diabo, Estrangeiros, “Xingondos”, etc. E aqui a cidade passa a ser uma cidade-mercado-de-crenças-de-massa. Em todo o canto há um templo, uma igreja. Em tempos os pavilhões eram estabelecimentos de cinema e de diversão mas hoje se fizeram templos e cenáculos maiores ou menores. Em tempos as ruas eram assaltadas pelos “curandeiros de pau” mas hoje elas são também espaços para todos: os próprios curandeiros de pau, feiticeiros, profetas e evangelistas. Em tempo os estabelecimentos de lazer ocupavam as ruas, mas hoje algumas delas viraram agências bancárias ou farmácias privadas. Com este quadro em mente, não admira que as ruas se mostrem como um interessante laboratório sociológico das cidades. É nelas onde a cidade mostra o seu rosto… e o seu corpo. É nelas onde o problemático e o não problemático, o “bem-estar” e o “mal-estar”, o sagrado e o profano fazem o arco-íris cinzento, mas atraente, para cada observação artística. É nelas onde, quase frequentemente, os idosos tornam-se todos mendigos, onde dança-se Zico, Mr. Bow, Matilde Conjo mas também bebe-se cerveja 2M, Chibuko ou Manica. É nela onde também, apesar de uma ínfima minoria, bebe-se whisky 1918, um bom vinho do Porto e, nos chicks restaurantes, da praça degusta-se um bom estufado de pato ou pizzas dos mais variados sabores. Mas é nela também onde as viaturas-restaurantes conquistaram o seu espaço como Forças de Intervenção Rápida do Combate contra a Fome do engravatado funcionário público em cada doze horas de um dia laboral e onde modestos operários abraçam-se em pães e modestos pastéis de dois meticais, as assim chamadas badjias. É nela onde o real e o aparente nos jovens ganham forma e terreno. É nas ruas da cidade de Maputo onde o informal e o informal cruzam-se constantemente num eclipse social oceanicamente atraente. É nas ruas onde os peões, os automobilistas, os ciclistas e os mendigos cruzam-se mas não se dão conta — todos, cada um à sua maneira, estão desenrascando a vida. É nas ruas onde as buzinas não se calam, as passadeiras se fazem pontos momentâneos de paragens dos automobilistas na espera do sinal verde e os passeios passam a ser parques de estacionamento público. São as ruas, como estas que agora abraçam a sola dos vossos calçados, que tornam possíveis autênticos mercados informais. Mercados dos constantes e interesseiros “Boss”; dos constantes e interesseiros “Bigué”; mercados dos frequentes e incansáveis “Leva, Leva, Leva”; Mercados como o do “Xiquelene” ou do “Xipamanine” ou, então, do entroncamento entre a avenida Guerra Popular e a do 24 de Junho. É nas ruas onde ninguém sabe quem é quem ou a quem se esbarrou nos passeios. É nas ruas onde o assassino e a sua vítima nunca chegam a ser até que se cheguem a vias de facto. São as ruas da cidade de Maputo. A “cidade-arena”. A cidade onde as ruas são palcos de luta, onde os gladiadores, munidos com tudo, incluindo garrafas e facas, disputam qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo. É a cidade do álcool, do cheiro de urina nos murros, nos edifícios e, o que é curioso, até nas próprias árvores que fazem dela uma “cidade das acácia”. A cidade de Maputo é, para nós residentes e observadores, um autêntico mosaico sociológico. Por isso sejam todos bem-vindos a esta cidade. Uma cidade que, apesar de tudo, não deixa de ser vibrante, desafiante, desafável e por todos nós desafiada. Por isso mais uma vez: Hoyo-hoyo ka Maputo, seja bem-vindo a Maputo, Moyoni o Maputo, Welcome to Maputo, uma cidade-mosaico cultural!    

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