Imagem 1 (Descrição no fim do texto) |
No
curto intervalo entre a minha pesquisa e redação da dissertação no Mestrado Interdisciplinar
em Humanidades e um tempo de relaxamento necessário, encontro, assim sem saber
como, um pequeno espaço para pensar, como uma brincadeira de muito bom gosto, o banal e o imediato da vida cotidiana. Se
em tempos já foi mais forte, hoje, um certo estar-com-os-outros está muito
longe de desaparecer das relações sociais entre as pessoas: a certeza e a
confiança no outro. Sem estas entidades, suponho, a vida cotidiana seria um
tédio. Seria, na verdade, uma “micro guerra” diária nos bairros periféricos das
cidades moçambicanas. As pessoas só precisam de ter a certeza de que a voz é de
tal fulano, por isso alguma confiança tem que ter. Assim, a certeza e a confiança
perfazem a “mó” da vida cotidiana. Por exemplo, após um bater à porta (não
tocando a campainha!), não é menos frequente ouvir um “Quem é? ”, e, em seguida,
a modesta resposta “Sou eu! ”, e, no fim, um “Entre! ”. Por aqui ao meu redor, parece
ser mais frequente ouvir “Sou eu, Cleidiane! ” (Ou até um simples “Cleidiane! ”),
depois de um “Quem é? ”. Todavia, numa cidade como a de Quelimane, Zambézia, em
Moçambique, por exemplo, principalmente nos bairros periféricos do centro da
cidade, um “Sou eu! ”, já basta para confiar na identidade da visita. Pronto. A certeza e a confiança somente a partir da
voz de quem à porta bate já são mais do que o suficiente para se abrir, para permitir
a entrada, para convidá-la a entrar. Não admira que, lá no longínquo ano que o
perdi na mente, não faltavam boatos de visitas inesperadas e malignas nas
noites de lua cheia. Boatos que, junto com a certeza e confiança colocadas à
prova, deixavam as pessoas desconfiadas e desesperadas pela recusa do sono
impedido pelo desconhecido. Já houve
tempos em que esta certeza e confiança estavam mais fortes nas configurações
sociais constituídas nos “bairros de macubar” (para usar a expressão do sociólogo
Carlos Serra no seu blog sobre a sua
experiência em Quelimane) das nossas cidades. Nessas alturas, o sólido ainda
não estava liquidificado apesar de liquidificando-se. Altura em que ninguém
acendia sozinho o seu fogo! Bom, não era bem assim. Na verdade, o primeiro a fazê-lo
seria, nesse instante, o ponto a partir do qual toda a vizinhança poderia ter a
possibilidade de ter o seu fogo a partir do carvão já aceso da vizinha ao lado.
Altura em que “tias” e “tios” eram qualquer um do bairro pois a noção de
proteção do adulto para com as crianças era convencional, e não regra. Altura
em que as crianças, de idade várias, brincavam horas à fio, perdidas nas santidades
da “cabra-cega” ou do “Papa e mamã”. Altura, enfim, em que um simples “Sou eu!
”, já era mais do que o suficiente para um certo e confiável “Entre! ”.
Pequenas coisas como estas palavras, quando configuradas nas relações sociais,
já dizem muito dos tempos, das pessoas, dos lugares e da vida dos conviventes
num determinado espaço e tempo. Porém, são
apenas banalidades da vida cotidiana!
Nota: Imagem 1 Imagem extraída do trabalho de dissertação de Plácio José Bohn, 2009 in https://biblioteca.unilasalle.edu.br/docs_online/tcc/mestrado/educacao/2009/pjbohn.pdf, acessado a 06/03/2020
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