sexta-feira, 6 de março de 2020

Quem é? Sou eu! – Banalidades da vida cotidiana

Imagem 1 (Descrição no fim do texto)
No curto intervalo entre a minha pesquisa e redação da dissertação no Mestrado Interdisciplinar em Humanidades e um tempo de relaxamento necessário, encontro, assim sem saber como, um pequeno espaço para pensar, como uma brincadeira de muito bom gosto, o banal e o imediato da vida cotidiana. Se em tempos já foi mais forte, hoje, um certo estar-com-os-outros está muito longe de desaparecer das relações sociais entre as pessoas: a certeza e a confiança no outro. Sem estas entidades, suponho, a vida cotidiana seria um tédio. Seria, na verdade, uma “micro guerra” diária nos bairros periféricos das cidades moçambicanas. As pessoas só precisam de ter a certeza de que a voz é de tal fulano, por isso alguma confiança tem que ter. Assim, a certeza e a confiança perfazem a “mó” da vida cotidiana. Por exemplo, após um bater à porta (não tocando a campainha!), não é menos frequente ouvir um “Quem é? ”, e, em seguida, a modesta resposta “Sou eu! ”, e, no fim, um “Entre! ”. Por aqui ao meu redor, parece ser mais frequente ouvir “Sou eu, Cleidiane! ” (Ou até um simples “Cleidiane! ”), depois de um “Quem é? ”. Todavia, numa cidade como a de Quelimane, Zambézia, em Moçambique, por exemplo, principalmente nos bairros periféricos do centro da cidade, um “Sou eu! ”, já basta para confiar na identidade da visita. Pronto.  A certeza e a confiança somente a partir da voz de quem à porta bate já são mais do que o suficiente para se abrir, para permitir a entrada, para convidá-la a entrar. Não admira que, lá no longínquo ano que o perdi na mente, não faltavam boatos de visitas inesperadas e malignas nas noites de lua cheia. Boatos que, junto com a certeza e confiança colocadas à prova, deixavam as pessoas desconfiadas e desesperadas pela recusa do sono impedido pelo desconhecido.  Já houve tempos em que esta certeza e confiança estavam mais fortes nas configurações sociais constituídas nos “bairros de macubar” (para usar a expressão do sociólogo Carlos Serra no seu blog sobre a sua experiência em Quelimane) das nossas cidades. Nessas alturas, o sólido ainda não estava liquidificado apesar de liquidificando-se. Altura em que ninguém acendia sozinho o seu fogo! Bom, não era bem assim. Na verdade, o primeiro a fazê-lo seria, nesse instante, o ponto a partir do qual toda a vizinhança poderia ter a possibilidade de ter o seu fogo a partir do carvão já aceso da vizinha ao lado. Altura em que “tias” e “tios” eram qualquer um do bairro pois a noção de proteção do adulto para com as crianças era convencional, e não regra. Altura em que as crianças, de idade várias, brincavam horas à fio, perdidas nas santidades da “cabra-cega” ou do “Papa e mamã”. Altura, enfim, em que um simples “Sou eu! ”, já era mais do que o suficiente para um certo e confiável “Entre! ”. Pequenas coisas como estas palavras, quando configuradas nas relações sociais, já dizem muito dos tempos, das pessoas, dos lugares e da vida dos conviventes num determinado espaço e tempo.  Porém, são apenas banalidades da vida cotidiana!
         

Nota: Imagem 1 Imagem extraída do trabalho de dissertação de Plácio José Bohn, 2009 in  https://biblioteca.unilasalle.edu.br/docs_online/tcc/mestrado/educacao/2009/pjbohn.pdf, acessado a 06/03/2020

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