sábado, 30 de outubro de 2021

“Oi! Estou aqui. Alguém me vê?”: Uma sociologia da Vida Prática.

Foto retirada do Google R7

O que é "vida prática"? As pessoas relacionam essa ideia de vida com a satisfação material. Por exemplo, quando você é um indivíduo academicamente ou artisticamente falhado. Mas, por compensação, numa escolha que não foi sua, consegue comer, beber, tomar banho, usar um cheiroso perfume “Invictus”, andar de um carro próprio (luxuoso ou não), viajar de avião desprezando, como ouvi noutro dia, as pessoas que não têm uma outra alternativa para além da "rodoviária" (Terminal de Transporte Rodoviário), essas pessoas acreditam que, assim, pelo menos, a tal “vida prática” já estaria resolvida.

    Entretanto, essa é uma forma bastante limitada, apesar de importante, de colocar “vida” na Vida prática. Quando algumas pessoas dizem, por exemplo, que filosofar, ou fazer sociologia, não é possível sem dar conta da "vida prática" de quem filosofa ou faz sociologia, geralmente se encontram imersas nessa perspectiva limitada da ideia de "vida prática". Na verdade, esta tem a ver com a noção de reflexividade, portanto, com algo que diz respeito ao indivíduo em convivência consigo mesmo e com os outros. Ou seja, o indivíduo vive a partir do seu entendimento e de como define a situação.

    Se assim for, então tem a ver com algo mais pessoal, mais íntimo, mais de consciência individual. "Definição da situação" tem a ver com um quadro no qual nos permite avaliar e tomar decisões e, para o sociólogo, entender o comportamento de quem age socialmente. Se assim for, então a simples garantia de condições materiais (por exemplo, “Pão”), para o homem enquanto aquele que aprecia (Friederich Nietzsche) e enquanto aquele que convive (Clovis de Barros Filho), é um acontecimento bastante limitado para quem é homem. Isso porque, de fato, Jesus Cristo tem razão: "Nem só do Pão vive o homem".

    E é verdade. No limite, para o homem, o “pão” é o de menos. Transar, ter filho, alimentá-lo, beber cerveja, dormir, defecar ou pagar, como se diz em Moçambique, "umas birras" (bebida) aos amigos — tudo bem! Mas, os homens, no seu fundamento existencial, querem mais, precisam de muito mais do que isso. Porque, no fundo, eles querem ser vistos, eles querem participar, querem falar. Isso parece ser tão verdade que na década de oitenta até alguns falavam de um "lugar de fala" para falar pelos subalternos, portanto, pelos não ouvidos!. Eles, os homens, querem ser ouvidos, querem influenciar, querem ser, por exemplo, o que desejam, o que sentem, o que fantasiam, o que sonham. E para conquistar esse espaço, para afirmar o seu lugar e a sua maneira de fala, não é tarefa fácil.

    As Redes Sociais, das mais variadas que a Indústria de distração em Massa oferece, estão cheias de comprovação dessa sociologia. As palhaçadas que as pessoas fazem nos aplicativos "Tiktok" ou "instagram" (quantas vezes com crianças como objeto!), os Canais no Youtube em demasia e com os mais diferentes conteúdos (quanta gente se frustra quando não consegue a visibilidade desejada!), textos e fotos publicados no FACEBOOK, lamentações em comentários em publicações de páginas mais “virais”, pedidos de ajuda nos comentários em publicações de esmagadora visualização etc. Tudo isso são esforços para poder aparecer, para poder ter um espaço para ser visto, para falar e para ser ouvido. É mais ou menos como uma necessidade existencial de dizer: "Oi! Eu estou aqui. Alguém me vê?".

    Então, uma cultura elevada, uma política elevada, uma organização social elevada precisam de garantir duas coisas aos seus membros: criar condições para que o máximo de pessoas possíveis sejam afirmadas pelos seus talentos e, para além disso, e para evitar frustrações de quem “é”, mas não consegue “ser”, criar mecanismos para ampará-las de modo a gerir o que os profissionais da saúde têm chamado por "crise existencial". Nessa crise quase nada tem a ver com condições financeiras e materiais. Mas muito, muito mesmo, com a necessidade das pessoas, talvez pessoas como eu, de poderem dizer: "Oi! Estou aqui. Alguém me vê?". E assim, dar-se-ia conta do que, de fato, é. Enfim, "Vida prática". Do resto é o que fundamenta a máscara, a aparência e as maneiras.





  

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