terça-feira, 31 de outubro de 2017

O murmurar das acácias na Cidade de Maputo: uma esquizofrenia de desespero

Foto a partir da Google images

Há uma coisa estranha que acontece comigo sempre que se aproxima o mês de Novembro. No começo pensei que se tratasse daquelas maldições dos nossos antepassados que, por vezes, tem feito desmaiar as nossas meninas nas escolas. Depois achei que se tratasse apenas de um pesadelo daqueles que ninguém sabe o que de facto aconteceu nele, embora aterrorizador. Porém, a mania da idade dos “porquês” que há mim não se poupou de se fazer a seguinte questão: por que esta coisa acontece comigo sempre que se aproxima um mês de Novembro e, para além disso, sempre que me encontro na cidade de Maputo? E esta coisa é, na verdade, o murmúrio das acácias que oiço sempre que passo pelas avenidas de Maputo.

Entretanto, logo obtive uma resposta. É que o mês de Novembro, concrectamente o dia 10, comemora-se o aniversário da cidade de Maputo. E as acácias aproveitam-se deste momento para, fazendo o uso dos espíritos sensíveis, manifestar o seu desagrado. E hoje, mais uma vez, apoderaram-se do meu espírito e permitiram-me ouvir os seus murmúrios. E não é de menos. A cidade de Maputo completará 130 anos no mês que se aproxima. E, por incrível que pareça, as acácias estavam apenas a criar categorias para caracterizar esta bela porém, diziam elas, suja cidade. Não pude conversar com elas, mas as ouvi de perto. Não pude lamentar com elas, mas chorei por dentro. E decidi então apresentar aos leitores um pouco do que elas surdinavam.

Elas cogitaram que Maputo era, antes de tudo, um grande mercado informal. De facto, as ruas fartam-nos de tal situação. A cada esquina desta interessante cidade é um Xiquelene ou uma Guerra Popular. De venda de calçados, vestuários, cigarros e fósforos aos automóveis, ao dinheiro e ao corpo. Maputo é, diziam elas, o maior mercado informal de Moçambique. De bancas móveis em corpos de humanos à “senta-baixo” das senhoras que vendem amendoim em cada rua, ruela, atalho ou avenida. Basta colocar-se à rua, qualquer que seja, para sentir-se num enorme “Dumbanengue”. E os “chapas”! Oh, meu Deus! Os “chapas”… As árvores têm de facto razão. A nossa cidade de Maputo é, na verdade, o maior “mercado informal” que existe em Moçambique.

Por outro lado, sem necessidade de falarem baixo, as acácias também tipificaram a cidade como o maior Parque de Estacionamento Público de Moçambique e, talvez, diziam elas, do mundo inteiro. Infelizmente, elas não deixam de ter com elas a razão. Passeios? Qual passeio qual quê! Parques de estacionamento! Praças como a dos Trabalhadores? Não. Talvez só para quem não tenha um carro! Estradas e ruas espaçosas encurtam-se para dar espaço ao estacionamento dos carros, alguns luxuosos até, de gente que se encontra no trabalho, em casa ou, acrescentou umas das acácias, nas barracas. Na avenida 25 de Setembro, por exemplo, ali naquelas zonas dos Correios de Moçambique… catástrofe! Se os nossos passeios já são degradados, o pior é, para além disso, ter que desviar os carros estacionados em pleno passeio. A avenida mencionada é apenas um exemplo. Elas, as acácias, enumeraram vários outros tristes e lamentáveis casos.

E por se falar em barracas, uma delas recordou-se de algo e proferiu o seu desagrado com um tom melancólico. Segundo ela, a cidade de Maputo é também o maior sanitário público de Moçambique. Qualquer canto ou lugar é uma sanita. De uma árvore a um murro! De uma esquina ali a uma grande avenida como a de Eduardo Mondlane. É tudo W.C! As acácias, elas mesmas, são as maiores vítimas. Cada canto, cada acácia, cada murro, cada prédio ao lado ou um pequeno “lar” de capim é o lugar propício para urinar. Os homens são os seus fiéis utentes. Mas uma das acácias, sob o argumento da igualdade de género, recordou-se que as mulheres não se deixam para trás. Claro. O sanitário é público. E há igualdade civil! Por isso não há distinção. Os jovens de calças e calções, o velho de terno e gravata, o bêbado com a sua garrafa, a criança com o apoio da mãe, a menina e a senhora enfim, todos, todos, todos mesmo, fazem o bom uso deste “mau público”. A nossa cidade é, de facto, o maior sanitário público.


Assim, com lágrimas caindo dos… (olhos?) das acácias, comovi-me. Chorei com elas! Pensei na cidadania. Pensei no ar livre. Pensei na cidade na perspectiva de Henri Lefebvre. Pensei na gente. Prometi para elas mesmas, e para mim, que levaria tudo isso e colocaria em texto para que cada um de nós, munícipes e o município, possa pelo menos sentir que se a nossa cidade é um mercado informal, um parque de estacionamento ou um enorme sanitário público — e ouvi também que era “a maior lixeira do país” pela quantidade de lixo espalhado em cacada canto — então nós também somos tudo isso. Nós somos a cidade. Somos a parte cultural dela. Somos nós que fazemos a cidade. Por isso cuidemos dela como se estivéssemos cuidando do nosso próprio corpo. Que as festividades dos 130 anos da nossa cidade sejam também, e principalmente, de reflexões sobre o que murmuram as nossas queridas acácias. Sei que é difícil ouvi-las! Mas por sorte há, pelo menos, algum esquizofrénico que as possa ouvir. Sim. Um daqueles esquizofrénicos por desespero! Não seria a vontade de sermos todos esquizofrénicos uma responsabilidade individual de cada um de nós?  

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